quinta-feira, 25 de setembro de 2008

ARNALDO JABOR

Abri livros de pintura, fugi do horror do mundo para a arte contemporânea, mas aí, parei sem conseguir esquecer da vida, pois não vi na arte de hoje, bálsamo algum. E tive a dor inapelável e cruel: na arte atual não há esperança. Isso mesmo: sem esperança. Vivemos diante de um futuro que não chega e de um presente que nos foge sem parar. Isso nos faz saudosos do presente como se ele fosse um passado. Há qualquer coisa de podre na arte contemporânea. Rosnem de ódio, netinhos de Duchamp, gritem militantes imaginários, uivem instaladores de nada, mas há uma terrível ausência, um grande vazio em museus e bienais. Vivemos a dor de uma transição dos tempos do Sentido para uma era indefinível, como uma mudança de pele, sem saber se vamos para uma Renascença ou uma Idade Média. Todas as reflexões ficaram céticas, deprimidas, descrevendo impossibilidades e becos-sem-saída. Antigamente, mesmo nas obras de encomenda de duques e cardeais do século XVI, feitas por empregados dos poderosos, havia um fervor religioso ou meramente fabril, havia uma fé na beleza, nos ventos novos que humanizavam a figura, que criavam a perspectiva, uma idéia de tempo, de progresso, longe da platitude medieval. A genialidade de artistas como Tintoretto não buscava mais a representação estática de uma imobilidade submissa, mas a captação de um momento de agonia ou de triunfo, um exemplo de grandeza a se atingir.

Na arte moderna, o entusiasmo se desenhava no início do século XX, a arte era uma militância por uma beleza construtiva, o olho humano sendo enriquecido, no desejo de que a vida se aperfeiçoasse, unida às grandes utopias do século 20, como o socialismo e até mesmo o fascismozinho do futurismo italiano. Nos artistas modernos, mesmo quando a postura era depressiva, havia na forma e na atitude um desejo visível de mudança para melhor.

Só que depois do 11 de setembro, principalmente, ficou claro que o mundo é hoje muito pior que qualquer representação desesperada. A destruição que vemos na vida, a sordidez mercantil, a estupidez no poder, o fanatismo do terror, a boçalidade da indústria cultural, o beco-sem-saída do racismo e do fundamentalismo, a destruição ambiental, em suma, toda a tempestade de bosta que nos ronda está muito além de qualquer denúncia artística. O mal é tão profundo que denunciá-lo mecanicamente, destruindo a própria arte como uma prova do crime, está virando uma ociosa cumplicidade.

Nos anos 60, com a arte pop, todo o desespero crítico ou paródico tinha um alvo construtivo. Havia esperança na angústia. Hoje, sobrou apenas a psicose como bandeira crítica de uma vida sem solução. Mesmo no absurdismo dos anos 40-50, havia uma esperança de liberação individual - no existencialismo, no marxismo reformado - mas hoje caímos numa afasia que os pensadores tentam transformar em sabedoria do nada. O absurdo deu lugar à melancolia.

Claro que há os talentos de exceção sempre, mas o clima geral dos estilos é uma visão de terra arrasada, o uso de materiais brutos e sujos, desarmonia, assimetria, uma busca deliberada da feiúra, uma visível vergonha de ser arte, vergonha de provocar sentimentos de prazer. A fruição poética é impedida, por ser burguesa, como se a beleza fosse uma coisa reacionária, alienada, ignorando o mal do mundo. Tudo bem que a arte tem de acusar o golpe do mundo imundo, tudo bem, mas há uma inércia, uma facilidade, um oportunismo nesse desespero. O bode preto virou um pretexto para picaretagens construtivas e destrutivas e para a justificação ideológica da falta de talento. Talento aqui como algo que, mesmo na feiúra da morte, seja uma exaltação da vida. Nunca esqueço da frase de Stravinsky: ''A obra de arte deve ser exaltante''. Não se trata de uma cegueira complacente com o erro, mas uma ação exaltante da existência humana.

Sobrou para os artistas uma atitude geral masoquista, se mutilando na body art, se furando, querendo recuperar uma importância que tiveram nos tempos do modernismo, nem que seja pela destruição de si mesmos. Aceitar o efêmero da arte é vivido como a aceitação da morte. A morte da aura da arte está mais difícil de aceitar do que se pensava. Assim, o artista se vê como um profeta abandonado, e ele mesmo passou a usar a luz da aura, passou a ter aura, como um halo, como uma coroa de espinhos para sua solidão. O artista quer virar a obra de arte. E tudo faz para esquecer seu abandono, mesmo que seja expor seus excrementos numa latinha na Bienal de Veneza.

O problema é que esse desejo de denúncia não deixa um espaço para algo que possa viver, renascer. É como se a própria arte fosse uma babaquice a ser evitada, na linha direta da herança mal-entendida e descontextualizada de Duchamp, o estraga-prazeres dos anos 20.

E aí, vemos a verdade: a arte contemporânea está muito aquém da realidade.

E que a arte tem de se mesclar a vida, como queria Nietzsche, virando, também sem esperança, um bailado sem finalidade, mas parindo estrelas dançantes que nos tragam uma felicidade efêmera, mas profunda.

_A política no Brasil virou ficção inútil
|texto gentilmente cedido pelo autor, dez 2005|

A Arte tem o poder de transformar

MOVIMENTO DE ARTE - BRASIL